55 mil credores morreram sem receber precatórios

Mais de 55 mil credores morreram antes de receber o pagamento de seus precatórios alimentares, segundo informação do jornal Diário de S. Paulo, em matéria publicada na edição de 7/11. A reportagem revela que 45 mil credores do Estado e 10 mil da Prefeitura não receberam dívidas de, em média, R$ 3 mil. O texto lembra que, desde 1998, a “fila dos precatórios” já soma 661 pessoas em São Paulo. Dando seqüência ao tema, o editorial de 8/11 do mesmo jornal, intitulado “Além da Conta”, também criticou a postura do Governo do Estado. Representantes da Comissão de Precatórios da OAB-SP sugerem o envio de mensagens ao jornal para repercutir o assunto.

Precatório: 55 mil morrem antes de receber o dinheiro

Maria Fernanda Blaser

A estimativa do Madeca é que 45 mil credores do Estado e 10 mil da Prefeitura morreram antes de receber dívidas de, em média, R$ 3 mil Mais de 55 mil credores do Governo do Estado e da Prefeitura de São Paulo já morreram sem receber o pagamento de seus precatórios alimentares (dívidas trabalhistas) que, em média, são de R$ 3 mil. A espera para receber o dinheiro da ação começa em 1998 e soma 661 mil credores: 581 mil do Estado e 80 mil do município. A estimativa do Madeca (Movimento dos Advogados em Defesa dos Credores Alimentares do Poder Público) é de que 45 mil credores do Estado e 10 mil do município morreram sem ver a cor do dinheiro. “A Procuradoria Geral do Estado (PGE) começou a pagar neste ano os precatórios de 1998. Como só são liberados R$ 20 milhões por mês, o pagamento dos credores de sete anos atrás só termina em 2011”, afirma Julio Bonafonte, presidente do Conselho Deliberativo do Madeca. Eli Soares de Pádua foi funcionário público por mais de 20 anos. Trabalhou no Departamento de Águas e Energia Elétrica (DAEE) e se aposentou sem receber parte das gratificações. Para reaver as perdas entrou com duas ações contra o Governo. O primeiro precatório deveria ser pago em 1998 e o segundo, em 2000. A dívida total é de R$ 5.838,75. “Mas meu pai nem soube quanto receberia, porque morreu em 1999”, conta a filha Elizabeth Furtini. Segundo ela, sua mãe está doente e o dinheiro viria em boa hora. “Ela precisa fazer uma cirurgia cardíaca. O dinheiro também seria usado para reformar a casa”, afirma. Ela, seus 11 irmãos e a mãe já se habilitaram nos processos para receber o dinheiro. Para isso, gastaram R$ 144,90. R$ 290 milhões O procurador-geral do Estado, Elival Ramos, assume que o pagamento de precatórios alimentares é complicado. “Acabamos priorizando o pagamento de não-alimentares. E a justificativa é simples: a Emenda Constitucional n° 30 prevê seqüestro de ativos se os precatórios não-alimentares deixarem de ser pagos”. Segundo ele, neste ano, o Governo pagou R$ 290 milhões em alimentares. No fim deste mês e do próximo, mais R$ 20 milhões serão liquidados em alimentares. Ramos estima que a dívida com os credores chegue a R$ 7 bilhões desde 1998. Mas nas contas do Madeca, os débitos passam de R$ 9 bilhões. Na Prefeitura, a situação é a mesma. Os precatórios alimentares também não são pagos desde 1998. “Por isso entramos co ma ação de improbidade administrativa contra a ex-prefeita Marta Suplicy, que passou quatro anos sem pagar os credores”, afirma Bonafonte. Segundo o secretário de Negócios Jurídicos da Prefeitura, Luiz Antonio Marrey, serão pagos R$ 50 milhões em precatórios alimentares de 1998 até o fim do ano. “Em média, são pagos R$ 5 milhões por mês”. A estimativa é que a dívida chegue a R$ 5 bilhões. O que são Os precatórios são dívidas judiciais. Os alimentares são os decorrentes de ações movidas por servidores públicos ou cidadãos comuns prejudicados moral ou materialmente pela administração pública. Os não-alimentares se referem à desapropriação de imóveis. Pela lei, o valor da ação deve ser incluído no orçamento, pois precatórios expedidos em um determinado ano têm de ser pagos até 31 de dezembro do ano seguinte. O problema é que a maioria dos Governos inclui os valores, mas não cumpre. Nessa fase é que começa o martírio. Se a ação tivesse sido movida contra uma empresa, ela seria citada para pagar a dívida em até 24 horas sob pena de penhora de bens. Como os bens públicos são impenhoráveis, o cidadão não tem garantia. Opinião do Diário Além da conta Os governos, em geral, sempre são rápidos e criativos em criar impostos, taxas ou em aumentar alíquotas. Mas são vergonhosamente proteladores quando se trata de reembolsar o cidadão. A reportagem de Maria Fernanda Blaser, publicada ontem pelo DIÁRIO, traz números que reafirmam essa antiga tradição. Em São Paulo, o pagamento de precatórios (dívidas judiciais) demora em média 15 anos. Isso significa um martírio para milhares de pessoas. Como se sabe, há dois tipos de precatórios: os alimentares e os não-alimentares. Os primeiros decorrem de ações movidas por servidores públicos ( por queixa relativa a salário ou gratificações) ou de ações de cidadãos contra a administração pública, por dano moral ou material — por exemplo em caso de erro policial, como aconteceu no famoso caso da Escola Base. Os precatórios não-alimentares se referem a indenizações por desapropriação de imóvel. Os governos incluem os valores nos orçamentos — como determina a lei —, mas não cumprem as promessas. Como sempre só agem sob pressão: priorizam os precatórios não-alimentares, porque emenda constitucional prevê o seqüestro de bens, quando não são pagos. É estarrecedor (ainda que previsível) que 55 mil pessoas já tenham morrido antes de receber as dívidas da administração pública, sendo 45 mil credores do Estado e 10 mil da Prefeitura, segundo estimativa do Movimento dos Advogados dos Credores Alimentares do Poder Público. É triste saber que a prática da protelação afeta gente que tem, em média, só R$ 3 mil para receber. O Estado alega que não há recursos para pagar a todos. É meia verdade, tendo em vista o desperdício do dinheiro público que se vê, muitas vezes, independentemente do matiz partidário. Os atrasos vão além da conta.

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