Advogado aponta o descaso do governo em relação aos precatórios
Em entrevista ao jornal Tribuna de Ituverava, o advogado Antônio Roberto Sandoval Filho fez um balanço dos seus 25 anos de vida profissional. O advogado destacou sua atuação voltada ao servidor público de todas as áreas. Um dos principais pontos abordados durante a entrevista foi o descaso do governo paulista em relação aos precatórios alimentares. “O mais estarrecedor é que isso acontece no Estado mais rico da Federação, que tem em seus cofres um saldo de R$ 5 bilhões”. Leia a entrevista na íntegra.
Íntegra da entrevista do advogado Antonio Roberto Sandoval Filho ao jornal Tribuna de Ituverava, do dia 14 de abril de 2006.
Carreira profissional
Sempre sonhei em ser advogado. Participei desde jovem, ainda em Ituverava, da vida estudantil e política da cidade. Percebi aos poucos que a melhor formação a que eu poderia aspirar seria a advocacia. Assim aconteceu: ao ingressar na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, em 1975, senti de imediato que fizera a escolha certa. A convivência com professores eméritos, como Gofredo da Silva Telles e Dalmo Dallari, entre tantos outros, mostrou-me a importância do Direito, da Justiça e da Liberdade. Da mesma forma, foi importante o contato diário com os futuros colegas de profissão. Participei ativamente das lutas estudantis em prol da redemocratização do país. Integrei o Centro Acadêmico XI de Agosto, na condição de Diretor do Departamento Jurídico – entidade que presta assistência judiciária gratuita para milhares de brasileiros menos favorecidos. Ainda na Faculdade, comecei a trabalhar como estagiário, sob a orientação de meu tio, Cássio Garcia Ordine. E daí, não parei mais. O Direito para mim é destino e vocação. Depois de formado, mantivemos sempre contato com as associações que representam os advogados, especialmente com a seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil, da qual tive a honra de participar como membro eleito do seu Conselho. Completar 25 anos de profissão é decorrência de todo esse esforço que, aliás, me traz muitas recompensas. Sou feliz com a profissão que escolhi, apesar de todas as dificuldades enfrentadas ao longo desta trajetória. Nada foi fácil. As conquistas foram arrancadas com a mão. Mas é justamente isso o que faz da vida uma aventura plena e emocionante. Sem esforço e sem trabalho toda glória é vã. É isso o que procuro passar para minhas filhas.
O servidor público: foco de atuação
Nada foi planejado no início. Tudo começou de um jeito bem familiar, em casa mesmo. Eu havia acabado de concluir meus estudos na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco. Minha mãe, professora da rede Estadual de Ensino, passou-me uma procuração para defendê-la em ação contra o Estado. Foi o começo de uma longa jornada. A confiança em mim depositada por minha mãe motivou-me a estudar o tema com afinco e dedicação. Passei a dedicar horas de trabalho ao assunto, e aos poucos, fui percebendo que o Estado nada mais é do que um mau patrão para os seus funcionários. Deixa de cumprir a lei quando ela beneficia os servidores e cumpre à risca a legislação quando ela impõe deveres à classe, no clássico comportamento de “dois pesos, duas medidas”. Percebi também que as pessoas tinham medo de demandar contra o Estado, de bater às portas da Justiça para buscar o cumprimento da Lei contra um réu tão rico e poderoso. E o mais incrível é que quem deveria dar o exemplo de cumprimento às regras age como um “fora da lei”, um ilusionista, um “caloteiro oficial”, conforme expressão do então presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Marco Aurélio de Mello, ao acatar o pedido de Intervenção Federal que submetemos à apreciação daquela Corte Suprema contra o Estado de São Paulo por sua recorrente postura de adiar para futuro incerto o pagamento dos precatórios alimentares. De nada adiantou o nosso pedido de Intervenção – o primeiro a ser julgado pelo STF, depois de ter sido acatado pelo Ministério Público Estadual, o Tribunal de Justiça de São Paulo e pelo Ministério Público Federal. Apesar do parecer favorável do relator, que era o ministro Marco Aurélio, então presidente do Supremo, a Corte decidiu por maioria de seus membros não intervir no Estado. É preciso ressalvar que a intervenção não teria caráter político. Sua única finalidade seria fazer cumprir a Lei, impondo o acatamento a decisões judiciais definitivas e promovendo o pagamento dos precatórios alimentares. Era só isso. Para enorme decepção de milhares de servidores, isto não aconteceu.
Mau pagador
A decisão do STF reforçou a postura de mau pagador do governo do Estado, que esqueceu aqueles seus funcionários que estão na famigerada fila dos precatórios há 10, 15 ou 20 anos. Muitos deles já morreram sem ver a cor do dinheiro. Calcula-se que mais de 50 mil servidores deixaram a vida sem merecer do Estado o reconhecimento de direitos que lhes foram garantidos pela Justiça em sentenças definitivas, transitadas em julgado. Veja bem um exemplo hipotético, baseado em casos reais. Há funcionários que entraram na Justiça em 1988. Durante quase 10 anos eles batalharam para ver vitoriosas as suas ações, que depois disso, em 1997, foram transformadas em precatórios e incluídas no orçamento estadual de 1998. Pois bem, oito anos se passaram e mesmo depois de tanto tempo (18 anos no total), estes servidores ainda não receberam os seus direitos. E o mais estarrecedor é que tudo isso acontece no Estado mais rico da Federação, que tem em seus cofres um saldo de R$ 5 bilhões. Por que o chefe do Executivo não usou parte desses recursos para pagar milhares de servidores públicos – a maioria formada por aposentados? Por que o governador privilegiou algumas dezenas de credores não-alimentares, que tinham milhões a receber cada um, em detrimento de milhares de servidores cujos créditos não ultrapassam em média a 3 mil reais por pessoa? É inaceitável que este quadro perdure por mais tempo.
Principais conquistas
Somos um escritório de pequeno porte, liderado por uma brava equipe de oito advogados e outros 20 profissionais de apoio. Com este pequeno time, patrocinamos várias ações que defendem nossos clientes. Vou citar um caso exemplar. Em 1987, quando o país vivia um período de hiperinflação, o Governo Federal instituiu o gatilho salarial. A medida funcionava assim. Sempre que a inflação somasse 20% ou mais, todos os salários eram reajustados na mesma proporção. As empresas cumpriam a lei. Mas o Estado de São Paulo, não. No 1º semestre daquele ano, o gatilho disparou por três vezes e, no 2º semestre, mais quatro vezes. O servidor público paulista ficou a ver navios. Nosso escritório foi o primeiro a liderar a defesa do funcionalismo nessa causa, permitindo a milhares de servidores obter na Justiça a correção monetária dos gatilhos pagos com atraso no 1º semestre e o pagamento integral dos gatilhos disparados no 2º semestre. Mais de 30 mil servidores tiveram suas ações de gatilho patrocinadas por nosso escritório – todas com ganho de causa. Outra importante conquista foi a incorporação das vantagens obtidas pelo funcionário ao longo da carreira no cálculo da sexta-parte, que é um benefício concedido aos servidores com 20 anos de efetivo exercício, como prêmio por sua dedicação e assiduidade. Tivemos atuação destacada também no caso dos pensionistas do Ipesp. Os herdeiros legais de servidores já falecidos recebiam só 75% do valor das aposentadorias – o que contrariava a lei. Acionamos o Estado e obtivemos mais uma vitória, quando o Supremo Tribunal Federal, em abril de 2002, estendeu este direito a todos os pensionistas do Ipesp. Há inúmeros outros casos que garantiram a professores, delegados de polícia, funcionários do Executivo, do Legislativo e do Judiciário em geral a defesa de direitos legítimos fixados em lei.
“Revista do Cliente”
É dever do advogado manter os seus clientes sempre bem informados sobre o andamento dos processos que ele patrocina em seus nomes. Faço questão de lembrar sempre, aos que procuram nosso escritório, que a ação é do cliente, não é do advogado. Daí a importância de deixá-lo a par de tudo o que se passa. Trata-se, portanto, de um dever ético do advogado para com o cliente – e essa regra nós seguimos à risca, tanto através do contato pessoal e direto com o cliente, como através de outros recursos de comunicação, como cartas, publicações e a Internet, que é hoje um meio de comunicação cada vez mais importante. E foi por isso que decidimos editar a “Revista do Cliente”. Procuramos nesta edição fazer um balanço de nosso trabalho justamente no ano em que nosso escritório comemorou 25 anos de atividades. Foi a forma que encontramos de deixar um registro histórico deste momento e, ao mesmo tempo, mostrar um pouco do que faz o Escritório Sandoval Filho em defesa do Servidor Público. Acredito que esses objetivos foram alcançados, se levarmos em conta as reações positivas dos clientes que receberam a revista. No campo da mídia eletrônica e digital, o site do nosso Escritório, cujo endereço é www.sandovalfilho.com.br, recebe a visita de mais de 10 mil internautas a cada mês. Recebemos milhares de mensagens eletrônicas a cada mês e todas elas são respondidas.
Precatório alimentar
E é importante explicar, para os leitores desta nossa querida Tribuna de Ituverava, o que é, exatamente, um precatório alimentar. Ele nada mais é que uma ordem de pagamento, exigida pela Justiça, que o Estado tem o dever de cumprir. Resulta de uma sentença definitiva, em relação à qual não cabe mais nenhum recurso. O governo de São Paulo não pagou sequer os precatórios de 1998, que deveriam ser integralmente quitados até dezembro daquele ano. E não pagou também os precatórios de 99, 2000 até 2005. O governo atual não pode alegar desconhecimento do problema – até porque a gestão atual vai completar em dezembro 12 anos no poder. Por que o Executivo não destina parte dos 5 bilhões de reais que tem em caixa para pagar os precatórios, cumprindo assim o que a Justiça lhe determina? Se alguém deve ao Estado, e não paga, em pouco tempo terá os seus bens penhorados. A mesma coisa deveria acontecer quando o Estado é o réu. As suas receitas deveriam ser objeto de seqüestro judicial. Tivemos oportunidade de apresentar essas informações aos acadêmicos da Fafram no início do ano. Acredito que todos os estudantes de direito deveriam engajar-se neste luta, que é uma bandeira não apenas do servidor público; é uma bandeira de todos aqueles que querem ver prevalecer a Justiça, a autonomia do Judiciário, a Constituição e as leis.
Estudantes homenageiam advogado
Foi uma honra receber homenagem dos estudantes de Direito da Fafram – principalmente para quem, como eu, militou no movimento estudantil durante a difícil transição da ditadura para a democracia, no final dos anos 70. Sei da importância que as entidades estudantis tiveram nessa luta democrática. Foram os universitários brasileiros que derem início à derrocada do regime militar, saindo às ruas em defesa das liberdades e da democracia. Vivemos hoje um outro momento. Prevalecem no País a liberdade e a democracia, ainda que haja muito a fazer para aprimorar as instituições e as práticas políticas. Veja, por exemplo, o que acontece com os precatórios alimentares. O Estado de São Paulo, o mais rico da Federação, deveria dar o exemplo e respeitar integralmente as decisões judiciais. No entanto, não é isso o que acontece. O governo de São Paulo prefere pagar os precatórios não-alimentares, devidos a empresas e pessoas físicas em decorrência de desapropriações. Os valores, nesse caso, são astronômicos. Centenas de milhões de reais são pagos para algumas dezenas de empresas e pessoas, enquanto milhares de servidores públicos ficam à espera, numa fila interminável, para receber algumas centenas ou alguns poucos mil reais. A média dos créditos é de R$ 3 mil. Há 500 mil servidores públicos, na ativa ou aposentados, à espera do pagamento de seus precatórios. Recebi com emoção e humildade a homenagem dos alunos da Fafram. Espero continuar a fazer jus à honraria, prosseguindo em nossa luta por um Brasil mais justo, por um país onde a lei possa valer para todos – humildes ou poderosos.
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