Proposta consagra calote oficial

Diferentes setores da sociedade civil vêm se manifestando contra a Proposta de Emenda Constitucional nº 12, em tramitação no Senado. Conhecida como a PEC dos precatórios, a matéria foi proposta por Nelson Jobim, ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) em meados de 2005. O Painel do Servidor divulga hoje mais uma manifestação contrária ao “projeto de oficialização de um calote de bilhões imposto a milhares de credores do setor público”, segundo o editorial do Jornal O Estado de S. Paulo, publicado no dia 27/3. Confisco e assalto são termos usados pelo jornal para falar da PEC. Leia aqui a íntegra da matéria e envie sua opinião ao Painel do Servidor. O endereço é sandoval@sandovalfilho.com.br.

Jornal O Estado de S. Paulo
27/3/2007

Precatórios e calotes

Alguns falarão em confisco, outros, em assalto. Os termos podem variar segundo o gosto, a polidez e a indignação de cada um. Mas não se encontrará uma palavra bonita para descrever o projeto de oficialização de um calote de bilhões imposto a milhares de credores do setor público. Muitos desses credores são pobres ou meramente remediados. Muitos perderam a poupança de uma vida, quando tiveram seus imóveis desapropriados pelo governo municipal ou estadual. A maioria espera o pagamento há anos e tem pouca ou nenhuma chance de ver o dinheiro ainda nesta década. Pois esse quadro pode ficar pior, se for aprovada a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº 12, em tramitação no Senado.

Segundo o projeto, os Estados terão de aplicar 3% e os municípios, 1,5% de sua despesa primária no pagamento de precatórios, isto é, daquelas dívidas confirmadas por sentença judicial. A despesa primária é todo o gasto público não destinado à rolagem ou à liquidação de títulos do Tesouro. Os governos estaduais e municipais não têm pago nem aquelas porcentagens, mas, apesar disso, a PEC nº 12 pode agravar a situação dos credores.

Se o pagamento de precatórios ficar limitado àqueles valores, a Prefeitura de São Paulo terá 45 anos para liquidar os débitos baseados em sentenças judiciais. O governo do Espírito Santo terá um prazo de 140 anos para seus compromissos desse tipo. Os cálculos foram encomendados a uma consultoria pela seção paulista da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). “Se estivéssemos falando de uma nova moratória de 15 anos, seria uma tremenda violência, um absurdo. Agora, falar em 45 anos, 140 anos, é falar num calote, num confisco”, disse ao Estado o presidente da Comissão de Precatórios da OAB-SP, Flávio Brando.

Com a PEC nº 12, governadores e prefeitos ganham imunidade para continuar lesando milhares de credores do setor público, sem risco de novos processos, de confisco de receita ou de intervenção, bastando que atendam àqueles limites de pagamento. Mais que isso: os novos prazos de pagamento, sustentados por um dispositivo constitucional, contribuirão para desvalorizar os créditos contra Estados e municípios. Muitos desses créditos têm sido vendidos no mercado, naturalmente com deságio, que de certo aumentará, se os credores ficarem mais desprotegidos. Além disso, governadores e prefeitos serão estimulados a praticar novos calotes. Se vítimas dos novos golpes conseguirem apoio judicial a suas pretensões, nenhum governante precisará ficar preocupado. Os novos precatórios entrarão na fila, para liquidação – quem sabe? – dentro de várias décadas.

Há um ano e meio, levantamento do Supremo Tribunal Federal (STF) identificou um total de precatórios de R$ 62,39 bilhões devidos por Estados e municípios. Em São Paulo foi encontrado um débito estadual de R$ 12,98 bilhões. Os precatórios municipais, no Estado, totalizavam naquela ocasião R$ 10,89 bilhões. Na lista dos maiores devedores aparecia, em seguida, o Espírito Santo, com R$ 6,97 bilhões de responsabilidade do Estado e R$ 1,09 bilhão inscrito nas contas municipais.

O projeto em tramitação no Congresso nasceu de uma iniciativa do então presidente do STF, Nelson Jobim, encampada pelo presidente do Senado, Renan Calheiros. A busca de uma nova fórmula era perfeitamente justificável, porque os juízes do STF sabiam que não adiantava determinar uma intervenção nos Estados e municípios caloteiros. Os interventores também não teriam condições de liquidar os débitos em atraso e o resultado seria desmoralizante. Mas a alternativa incorporada na PEC não melhora a situação, exceto para os governadores e prefeitos. Mais eficiente seria converter os precatórios em títulos da dívida pública negociáveis no mercado, mantendo-se critérios eqüitativos para liquidação – ordem de antiguidade como regra geral, com precedência para os precatórios alimentares.

A OAB-SP e a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) trabalharam em conjunto para apresentar ao Congresso um projeto mais equilibrado. Terão de enfrentar, agora, a oposição de governadores e prefeitos, que terão contestado, em vez de sacramentado, seu pretenso direito de impor calote a milhares de cidadãos.

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