Marcelo Gatti Reis Lobo: “Ministro Barroso pôs fim a qualquer dúvida sobre a legitimidade do uso de depósitos judiciais para quitar precatórios”

Recentemente, o ministro Luís Roberto Barroso decidiu, por medida liminar, que os depósitos judiciais poderiam, sim, ser utilizados para o pagamento de precatórios atrasados. O questionamento que motivou a decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal foi movido pela Procuradoria-Geral da República, que argumentava que o uso do recurso permitiria um tipo de “desapropriação”. A decisão, proferida em junho, não só contestou o entendimento da PGR como determinou que a fonte de recursos fosse utilizada para quitar precatórios sem que a verba passasse pelas contas dos Tesouros dos entes devedores. A decisão do ministro causou reações positivas na Ordem dos Advogados do Brasil.

(Na imagem, o advogado Marcelo Gatti Reis Lobo. Foto: Douglas Silva/OAB-SP)


Em entrevista concedida à equipe de comunicação da Advocacia Sandoval Filho, o advogado Marcelo Gatti Reis Lobo, presidente da Comissão de Precatórios da OAB-SP, comenta a decisão e esclarece outros detalhes envolvendo a questão dos depósitos judiciais. Acompanhe.


Advocacia Sandoval Filho: O ministro Luís Roberto Barroso entendeu que o uso dos depósitos judiciais para os pagamentos de precatórios não era inconstitucional, como havia entendido a PGR. Qual é a sua opinião a respeito?

Marcelo Gatti Reis Lobo: A decisão do ministro Barroso nessa liminar na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 5.679) foi perfeita. Ele colocou fim a qualquer dúvida existente quanto à ilegitimidade dos devedores de precatórios terem a possibilidade de financiar os pagamentos com parcelas dos depósitos judiciais. A Emenda Constitucional nº 94 de dezembro de 2016 criou alternativas, estipulou data máxima para o pagamento de todos os precatórios no Brasil e concedeu aos devedores a possibilidade de obterem recursos extras para essa finalidade.

Entre essas alternativas de financiamento está a utilização dessa parte dos depósitos judiciais. A dúvida era se o Judiciário deveria ou não liberar parcelas desse dinheiro sob o risco de os governantes utilizarem para outras finalidades que não fosse a quitação de precatórios – e não devolverem esses recursos aos cofres do Judiciário quando o levantamento for solicitado pela parte.

O ministro Barroso pôs fim a essas dúvidas e deixou bem claro que a Emenda é constitucional, que ela é razoável em seus fundamentos e na sua utilização e que os devedores devem utilizar-se deste mecanismo para fins de quitação dos precatórios até 2020.

Ele fez três observações que devem ser cumpridas pelo Poder Público para que a medida tenha realmente efetividade.

A primeira é que os recursos sejam utilizados para pagamento somente dos precatórios e não para outras finalidades, como aconteceu no passado em outros estados como Minas Gerais, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, em que esse dinheiro foi usado, por exemplo, para pagamento das despesas mensais.

A segunda observação do ministro é que, para que isso venha a ser feito, é necessário criar um Fundo Garantidor. Ou seja, o Poder Público não pode resgatar todos os valores dos depósitos judiciais. O dinheiro resgatado tem que ser difundido a esse Fundo Garantidor.

E, por fim, que o dinheiro levantado não seja destinado às contas dos Tesouros dos devedores, ou seja, os Tesouros municipais, estaduais ou da União, mas sim repassados para a conta de pagamentos de precatórios especificamente.

Em resumo, foram três requisitos que são absolutamente importantes, estão previstos no texto constitucional e que garantem não só o pagamento dos precatórios, mas que todos os valores que vierem a ser levantados no momento que for solicitado pelo Judiciário serão efetivamente embolsados pelos credores. E que o Poder Público não se utilizará desse dinheiro para outras finalidades que não seja a quitação de precatórios.

Então, essa emenda tem caráter geral e tem que ser aplicada. Ela vem realmente ao encontro daquilo que nós defendíamos no passado, antes da emenda constitucional, e continuamos a defender ainda hoje para que sejam quitados os precatórios.

ASF: Alguns argumentam que os depósitos judiciais “têm dono” e por isso não poderiam ser usados para os pagamentos de precatórios. O que foi entendido a respeito disso?

Marcelo G. R. Lobo: Os depósitos judiciais constituem um fundo de recursos composto por depósitos feitos por todas as partes que enfrentam uma disputa judicial. Esses recursos ficam sob a gestão de um determinado banco. Hoje, há muita dúvida sobre até que ponto esses bancos dispõem desse dinheiro de forma legítima e correta. Até que ponto todo o dinheiro depositado sob essa condição existe de fato ou se foi utilizado para alavancar recursos financeiros e financiamentos oferecidos pelo próprio banco. É um dinheiro captado de forma muito barata, uma vez que o banco remunera esses recursos pela taxa da poupança mais 6%. E o banco empresta esse dinheiro a juros de empréstimo pessoal, de cartão de crédito, enfim, a juros estratosféricos. Os depósitos judiciais são um tipo de recurso que quem se beneficia dele, desse dinheiro parado, é única e exclusivamente o banco.

No Estado de São Paulo, por exemplo, estimamos que esse fundo contenha cerca de 55 bilhões de reais. Há dúvidas se esse dinheiro está de fato disponível ou se o banco usou esse recurso e não tem disponibilidade de efetivar os pagamentos no momento exato que a parte quiser sacar.

É uma dúvida que preocupa muito a advocacia e tenho certeza que preocupa muito os demais operadores do Direito. E sem dúvida nenhuma seria algo pernicioso para o cidadão descobrir que o dinheiro que ele deixou à disposição daquele banco não existe mais. Por outro lado, essa preocupação não existirá se for cumprido o regramento da Emenda nº 94 e a decisão do ministro do Supremo, Roberto Barroso [com a criação do Fundo Garantidor e transferência direta da porcentagem permitida do Fundo às contas destinadas aos pagamentos dos precatórios].

Nossa preocupação é que esse dinheiro hoje já não esteja inteiro à disposição para saque. Não por uma questão que envolva precatórios nem por uma questão que envolva levantamentos por parte dos devedores, mas pela própria disponibilidade de liquidez do banco.

ASF: Então é possível que determinado banco já tenha emprestado esse dinheiro?

Marcelo G. R. Lobo: É bem possível que o banco não tenha liquidez suficiente para promover esses saques. Mas isso não tem absolutamente nada a ver com o pagamento dos precatórios nem com os levantamentos feitos no passado pelos entes públicos. Pode ser que seja realmente um problema de liquidez do próprio banco.

ASF: O Estado de São Paulo chegou a sacar um montante dos depósitos judiciais?

Marcelo G. R. Lobo: O Estado de São Paulo sacou recursos, assim como a prefeitura de São Paulo, mas não daqueles valores previstos na Emenda 94. O Estado sacou valores com base na Lei Complementar nº 151 de 2015, que se referiam a valores depositados judicialmente nas ações em que ele, Poder Público, era parte. Por exemplo, nas ações de questionamento tributário. Nesses casos houve realmente o levantamento por parte do Poder Público, mas com base nessa outra legislação e não com base na Emenda 94.

ASF: Mas esse recurso também deveria ser destinado aos pagamentos de precatórios, certo?

Marcelo G. R. Lobo: Isso, exatamente. O que ocorre é que o Estado e o município de São Paulo argumentam que não necessariamente precisam usar outros recursos para os pagamentos de precatórios além dos depósitos judiciais.

No entanto, esses recursos apenas seriam suficientes para pagar aquilo que o Tribunal de Justiça de São Paulo havia solicitado para a quitação dos precatórios naquele exercício. Existe o questionamento da OAB nessa linha, em que nós defendemos que esses recursos têm que ser extras. No nosso entender, falta ainda o recebimento dos valores que haviam sido incluídos nas ordens de pagamento para a quitação dos outros precatórios. Ou seja, deveriam ser duas fontes de recursos. Primeira fonte: aquilo que já estava no orçamento. Segunda fonte: os valores extras que foram levantados pelos depósitos judiciais.

Existe um inquérito civil em andamento no Ministério Público Estadual que apura irregularidades nesse sentido. Nós fizemos essa denúncia ao Tribunal de Justiça de São Paulo, que a encaminhou ao Ministério Público. O Tribunal de Contas do município também abriu um procedimento investigativo.

ASF: Mas a Emenda Constitucional nº 94 deixa claro que os depósitos judiciais são recursos extras.

Marcelo G. R. Lobo: Sim. Na Emenda 94 fala-se que todos os precatórios têm que ser quitados até 2020, e então o texto dá algumas sugestões como fontes de financiamento. Por exemplo: a possibilidade de compensação tributária e a possibilidade de financiamento em bancos. E uma delas também é a utilização dos depósitos judiciais.

ASF: Que tipo de sanções os entes devedores podem sofrer caso utilizem os depósitos judiciais para outros fins sem ser os pagamentos de precatórios?

Marcelo G. R. Lobo: Ainda não há um posicionamento do Judiciário nessa linha, mas se for caracterizado pelo Judiciário que deveria ter sido feito duplo depósito, os governantes podem responder por crime de responsabilidade e tornar-se inclusive inelegíveis. Mas não existe uma certeza de que isso está certo ou errado, existe um questionamento nosso e existe o inquérito que o Ministério Público está apurando para eventualmente oferecer uma ação civil pública sobre isso.

ASF: O senhor gostaria de comentar mais alguma coisa?

Marcelo G. R. Lobo: Gostaria de agradecer aos colegas da advocacia, em especial à Advocacia Sandoval Filho, pelo empenho que tem tratado as questões dos precatórios e pela força no combate aos caloteiros que não cumprem as decisões judiciais e não pagam aquilo que é devido aos credores na época. Se não fossem os colegas atuando dessa maneira, sem dúvida nenhuma a situação dos credores seria muito pior do que a que eles enfrentam hoje.

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