Há 20 anos, pedido de Intervenção Federal no Estado de São Paulo começou a mudar a história dos precatórios judiciais

Há 20 anos, pedido de Intervenção Federal no Estado de São Paulo começou a mudar a história dos precatórios judiciais

Julgamento do pedido de Intervenção Federal no Estado de São Paulo, apresentado ao Supremo Tribunal Federal pelo advogado Antônio Roberto Sandoval Filho, completou 20 anos no dia 14 de agosto. O fato marcou a história dos precatórios no Brasil e mudou para melhor o cenário de pagamentos.

No início dos anos 2000, o cenário de pagamentos de precatórios era desalentador para a grande maiores dos credores. Milhares de servidores públicos que tinham créditos a receber do Estado de São Paulo eram solenemente ignorados. Já as dívidas não-alimentares, devidas principalmente a desapropriações de imóveis, eram pagas com regularidade. Esse quadro começou a mudar depois do julgamento no Supremo Tribunal Federal de um pedido de Intervenção Federal no Estado de São Paulo para regularizar a situação dos credores alimentares paulistas.

O pedido foi levado a julgamento pelo ministro Marco Aurélio, então presidente do Supremo Tribunal Federal e relator do processo, no dia 14 de agosto de 2002. O advogado Antônio Roberto Sandoval Filho, sócio-fundador da Advocacia Sandoval Filho, fez naquele dia a sustentação oral do pedido para quitar os precatórios devidos pelo Estado de São Paulo. A Intervenção Federal era uma medida drástica para fazer com que o Estado cumprisse decisão judicial final, transitada em julgado.

O julgamento foi acompanhando no STF por um Plenário lotado e mereceu grande atenção da imprensa. A expectativa, apesar de toda a esperança, era a de que o Supremo dificilmente acataria o pedido de intervenção. “Mesmo sabendo disso, fomos até o fim”, explica hoje Sandoval Filho. “Era nosso dever profissional fazer tudo o que fosse possível, dentro da lei, para que os direitos dos nossos clientes fossem reconhecidos. Não podíamos deixar o cliente sem uma resposta”.

O acontecimento é hoje considerado um marco na história dos precatórios. “Foi um divisor de águas na compreensão da situação dos precatórios”, lembra Sandoval Filho. “O assunto ganhou enorme visibilidade na mídia, na sociedade civil e nos poderes Judiciário, Executivo e Legislativo. A fila dos precatórios começou a despertar a indignação das pessoas, da sociedade. O País passou a compreender que aquela situação era imoral e insustentável”.

Julgamento do Pedido de Intervenção Federal. Plenário do Supremo Tribunal Federal, 14 de agosto de 2002
« 1 de 4 »

Mudança de rumos

A Intervenção Federal é uma medida constitucional considerada drástica, tomada em situações excepcionais, em que o Poder Judiciário Federal assume a responsabilidade de ‘corrigir um problema’, envolvendo um ente federativo, depois que as alternativas para a solução do conflito já se esgotaram, explica o advogado. Nos casos em que a Intervenção Federal é estabelecida, o estado tem sua autonomia limitada temporariamente, de forma parcial ou total.

Por se tratar de medida excepcional, o pedido de Intervenção Federal não foi aceito pelo Supremo Tribunal Federal. A decisão era esperada, ressalta Sandoval Filho. Mas o assunto ganhou enorme visibilidade na mídia e na sociedade civil. “Era incompreensível e inaceitável que a Justiça expedisse uma ordem de pagamento e o Estado simplesmente se recusasse a pagar”, enfatiza o advogado.

A dívida do Estado de São Paulo com precatórios aumentou nesses 20 anos. Mas o principal legado deixado por esse fato foi a mudança na forma como a Justiça e a sociedade civil passaram a tratar a questão.

A partir daquele dia, O Congresso Nacional passou a compreender melhor o problema do ponto de vista dos credores. Emendas constitucionais foram promulgadas desde então, modificando regras e prazos de quitação das dívidas. Decisões administrativas, adotadas no âmbito dos tribunais de justiça e de outros órgãos judiciais, procuraram aprimorar e agilizar o pagamento dos precatórios.

A situação dos credores alimentares começou a mudar para melhor, ainda que o estoque da dívida continue grande no Estado. Esta reportagem indica algumas dessas mudanças positivas desencadeadas desde o início dos anos 2.000.

Uma dessas mudanças envolveu os Tribunais de Justiça, que ganharam autonomia na gestão dos precatórios, gerenciando os pagamentos e cobrando os repasses dos estados de acordo com o que estabelece a Constituição. Da mesma forma, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), criado em 2005, passou a acompanhar os procedimentos legais e a estabelecer normas na gestão desses recursos, que são seguidas pelos Tribunais de Justiça de todo o país. Os pagamentos finalmente começavam a chegar aos credores de precatórios alimentares, ainda que atrasados.

Outras Emendas Constitucionais que regulamentavam os pagamentos de precatórios foram promulgadas desde então. E também viraram objeto de debate nacional. A Emenda Constitucional nº 62, de 2009, por exemplo, teve parte de seu texto considerado inconstitucional. O índice de correção monetária das dívidas foi alterado para que os valores fossem atualizados de acordo com a inflação, o que significou uma importante vitória para os credores dos Estados. Atualmente, as dívidas são corrigidas pela Taxa Selic.

Em 2012, o CNJ instituiu o Fórum Nacional de Precatórios – o Fonaprec – com o objetivo de elaborar estudos e propor medidas para o aperfeiçoamento da gestão de precatórios.

E com o avanço da tecnologia, os processos físicos foram digitalizados e transformados em processos digitais, que hoje tramitam em tempo muito menor pelo sistema informatizado do Poder Judiciário.

Entre 2020 e 2021, o Estado de São Paulo quitou as dívidas incluídas nos orçamentos de 2003, 2004 e 2005. Isso significa que, em um ano, foram pagos três orçamentos de precatórios. O repasse aos credores foi de mais de R$ 4 bilhões. Um recorde se comparado aos anos anteriores. E em 2022, a nova gestão do Tribunal de Justiça de São Paulo assumiu como prioridade os pagamentos dos precatórios até 2023.

Apesar das mudanças terem favorecido os credores de precatórios desde aquele dia 14 de agosto de 2002, a luta pelos direitos dos credores alimentares permanece. “O problema dos precatórios está longe de ser solucionado”, diz Sandoval Filho. “Mas temos orgulho de fazer parte da história que mudou o caminhar desse problema especialmente no Estado de São Paulo”.

O que aconteceu em agosto de 2002

A sustentação oral apresentada pelo advogado Antônio Roberto Sandoval Filho junto ao Plenário do STF, na época presidido pelo ministro Marco Aurélio, foi acompanhada e apoiada por dezenas de advogados que militavam pelos direitos dos credores de precatórios.

“Naquele dia 14 de agosto, procuramos mostrar que havia, sim, dinheiro para pagar os precatórios – tanto que o Estado de São Paulo pagava regularmente as parcelas devidas aos credores não-alimentares”, lembra Sandoval Filho. “Por uma interpretação errônea da legislação vigente, o Executivo paulista pagava os credores não-alimentares temendo ter suas verbas sequestradas, e deixava de pagar os alimentares, numa inversão total de valores”.

Isto aconteceu porque, de acordo com o advogado, a Constituição Federal e os preceitos jurisprudenciais sempre atribuíram prioridade aos precatórios alimentares, justamente por sua natureza. “Mas o Estado de São Paulo fez uma leitura contrária da Emenda Constitucional nº 30, privilegiando o pagamento dos não-alimentares e ignorando os pagamentos alimentares”, explicou o advogado.

Sandoval Filho deixa aos clientes da Advocacia uma mensagem otimista quanto aos pagamentos dos credores. “O Estado deve ainda 30 bilhões de reais. Esse montante deverá ser quitado até 2029. Estaremos sempre atentos para que os nossos clientes recebam o quanto antes até o último centavo a que eles têm direito. A nossa luta continua!”

Compartilhe
menu
menu