Advogada fala sobre o histórico dos precatórios no Brasil e as novas regras para pagamento
Em artigo publicado na revista eletrônica Consultor Jurídico, a advogada especialista em direito tributário Maria Andréia Ferreira dos Santos descreve a evolução histórica dos precatórios no Brasil, passando pela Emenda Constitucional 30, de 2000 – que parcelou o pagamento das dívidas em dez anos –, a Emenda Constitucional 62, de 2009 – que alterou as regras para o pagamentos dos precatórios –, nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade que passaram pelo Supremo Tribunal Federal sobre o tema, até chegar nos dias de hoje. A autora fala ainda sobre as novas regras anunciadas pelo STF em março de 2015. Para ela, essas regras ainda não atendem as expectativas dos credores de precatórios nem daqueles que já receberam seus créditos sem a devida correção monetária. Saiba detalhes na íntegra do artigo.
Conjur – 15 de abril de 2015
Dívidas públicas
A difícil tarefa de receber precatórios e o panorama no STF
15 de abril de 2015, 6h35
Por Maria Andréia Ferreira dos Santos
O pagamento de condenações judiciais, feito pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, por meio de precatórios, tem como um dos maiores obstáculos a conhecida inadimplência. Primeiramente, buscou-se corrigir isso por meio da Emenda Constitucional 30/00, que permitia o pagamento de precatórios por devedores em até dez anos.
A inconstitucionalidade deste parcelamento foi decidida, em liminar, pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal. Na ocasião, os ministros decidiram pela suspensão da eficácia de todo o artigo 2º, da EC 30/00, que tratava deste tema. Vale frisar que entre a promulgação da EC 30/00 e a decisão proferida na ADI 2356-DF o quadro de inadimplência não foi resolvido pelos entes envolvidos. Nesse sentido, o próprio Conselho Nacional de Justiça afirmou que, em levantamento em 2009, o valor da dívida de Estados e Municípios totalizava R$ 84 bilhões.
Numa segunda tentativa de se por fim a este cenário de inadimplência crônica, foi promulgada a EC 62/2009, que alterou a sistemática de pagamento dos precatórios prevista na Constituição. A constitucionalidade desta EC foi questionada em ADIs relatadas pelo ministro Ayres Britto. Em 2013, o STF decidiu pela inconstitucionalidade da compensação de ofício instituída pela EC 62/2009 e do regime especial de pagamentos, por violações ao devido processo legal, ao contraditório, à ampla defesa, à isonomia, além dos princípios da moralidade, da impessoalidade, da igualdade, da razoabilidade e da proporcionalidade, dentre outros.
A consequência é que se retornou à sistemática anterior, onde os precatórios deveriam ser pagos em parcela única. E sobre a aplicação da correção monetária pelo índice oficial de remuneração da caderneta de poupança, esta previsão foi julgada inconstitucional porque a remuneração da caderneta de poupança não preserva o valor real da moeda, o que só se alcança pela aplicação dos índices que traduzem a real inflação do período anterior. A aplicação de juros moratórios pela remuneração da poupança foi julgada parcialmente inconstitucional por violação ao princípio da isonomia, devendo-se aplicar aos precatórios de natureza tributária os mesmos juros de mora que incidem sobre os créditos tributários.
Entretanto, diante do impacto orçamentário em caso de retroação dos efeitos, foi apresentado pedido de modulação de efeitos que estava pendente de julgamento até o último dia 25 de março, e que suspendia a eficácia do que se decidiu na ADI julgada. Vale ressaltar que, num primeiro momento, os Tribunais de Justiça paralisaram o pagamento dos precatórios, o que fez com que o relator do caso determinasse que os pagamentos fossem retomados “na forma como se vinham realizando até a decisão proferida na ADI”.
No mérito, até então, o resultado era o seguinte: O STF reconheceu a inconstitucionalidade da compensação de ofício, do regime especial de pagamentos e da correção monetária dos precatórios conforme a caderneta de poupança, mas esta decisão não estava sendo aplicada em sua inteireza e os jurisdicionados estavam, há mais de dois anos, sujeitos a uma sistemática de pagamento reconhecidamente inconstitucional e que lhes impunha efetivo dano. E, especialmente, no que diz respeito à aplicação da correção monetária pela poupança, o quadro era de insegurança jurídica. Apesar de o próprio STJ, com lastro nas decisões proferidas pelo STF nas ADIs ora examinadas, ter entendido como aplicável o IPCA na correção de precatórios (Resp. 1.270.439/PR, Diário da Justiça de 2/8/2013, decidido no rito dos recursos repetitivos), é fato que ministros do STJ e do STF entendem que também estão suspensos os efeitos das decisões proferidas nas referidas ADIs no que diz respeito à inconstitucionalidade da correção monetária dos precatórios pela remuneração da poupança.
Entretanto, a Reclamação ajuizada no STF contra a decisão proferida no Resp 1.270.439/PR foi rejeitada pelo ministro Marco Aurélio (REcl. 16.410), sob o entendimento de que a decisão cautelar proferida nas ADIs se limitou a impedir que houvesse a paralisação no pagamento dos precatórios.
No plano federal, em linha com o entendimento do STF, foi incluída na LDO de 2014 a previsão para a utilização do IPCA-E do IBGE.
Gerando uma insegurança maior ainda, a ministra Nancy Andrighi, corregedora nacional de justiça, tinha determinado a exclusão dos juros de mora e a substituição do IPCA-E pela TR nos precatórios federais parcelados em tramitação no TRF, o que fez com que o ministro Francisco Falcão, presidente do CJF, determinasse o desbloqueio dos precatórios parcelados.
Ajuizada ação cautelar pela OAB contra a decisão da Corregedora, o ministro Luiz Fux determinou a continuidade dos pagamentos dos precatórios da União e assegurou sua correção, nos anos de 2014 e 2015, pelo IPCA-E e que, apesar de a decisão relativa à EC 30/00 ter sido pela inconstitucionalidade do parcelamento, os precatórios expedidos antes da suspensão dos efeitos da EC 30/00 continuaram parcelados e sujeitos à incidência de juros legais sobre cada parcela.
Finalmente retomado o julgamento do pedido de modulação de efeitos na sessão do último dia 25 de março, os efeitos das decisões proferidas nas ADIs foram modulados do seguinte modo, em apertada síntese: (i) o regime especial de pagamentos de precatórios vigorará até 2020; (ii) manteve-se a aplicação da TR até a data deste julgamento e, após, passa-se a utilizar o IPCA-E, devendo os precatórios tributários serem corrigidos pelos mesmos critérios adotados pelo Fisco, resguardando-se a aplicação do IPCA-E nos precatórios federais previstas nas LDOs passadas; (iii) foram ratificadas as compensações, os leilões e os pagamentos à vista feitos com base na EC 62/09 realizados até o dia do julgamento; (iv) manteve-se, até 2020, a possibilidade de acordos diretos, observada a ordem de preferência dos credores, com redução máxima de 40% do valor do crédito atualizado e a vinculação dos percentuais mínimos de receitas para o pagamento dos precatórios e as sanções para os casos de não liberação dos recursos.
E, criando novas regras, o STF decidiu que, apesar de a compensação de ofício ter sido julgada inconstitucional, o CNJ irá apresentar uma proposta normativa para permitir que o credor do precatório requeira a compensação de precatórios vencidos, próprios ou de terceiros, com créditos inscritos na dívida ativa até 25/03/2015 e também para tratar do uso compulsório de 50% dos depósitos judiciais tributários no pagamento de precatórios.
Certamente o teor desta modulação de efeitos decorre do temor manifestado durante o julgamento de que uma declaração de inconstitucionalidade com efeitos ex tunc gerasse a revisão de inúmeros precatórios já extintos e incontáveis celeumas judiciais.
Entretanto, esta modulação está longe de atender aos anseios dos credores de precatórios não pagos e também daqueles que receberam valores inferiores ao que lhes seria devido se considerada a real inflação do período, pois a aplicação anterior da TR foi validada pela modulação decidida, sendo certo que os benefícios das inconstitucionalidades reconhecidas serão aplicados paulatinamente e sem desfazer prejuízos já aperfeiçoados.
Maria Andréia Ferreira dos Santos é especialista em direito tributário e sócia do PLKC Advogados.
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