Aumento de número de idosos no país exige revisão de políticas públicas

O Brasil conta com mais de 205 milhões de habitantes, dos quais 9% formados por pessoas com 65 anos ou mais, segundo o IBGE. Dados do mesmo Instituto apontam que esse percentual deve aumentar para 13% em 2030. Esse aumento vem sendo acompanhado pela adoção de diversas políticas públicas que buscam assegurar a proteção dos direitos da terceira idade. Os dispositivos que priorizam o pagamento de precatórios a credores idosos constituem um exemplo. Em artigo publicado na edição de fevereiro do jornal Tribuna do Direito, Rachel Santos aborda alguns desses dispositivos legais e argumenta que é necessário rever algumas leis que podem causar confusão ao defender os direitos dos idosos. Leia a íntegra do artigo.


Tribuna do Direito – Fevereiro de 2016

Crescem número de idosos e leis de proteção

Raquel Santos

As estimativas do aumento gradativo da população de idosos nas próximas décadas indicam a necessidade de se rever políticas públicas evitando a perda da qualidade de vida, bem como a legislação de forma a garantir seus direitos.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) calcula que em 2050 o mundo terá 2 bilhões de idosos. Em 2014, eram 841 milhões. Um dos últimos levantamentos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2013) mostrou que o País contava com 201,5 milhões de habitantes, sendo 26,1 milhões com mais de 60 anos. Se confirmadas as projeções da OMS o Brasil terá em 2050 quase 70milhões de idosos.

Existem, atualmente, inúmeras normas de “proteção” e garantias aos direitos dos idosos – são mais de dez as encontradas no site da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC) vinculada ao Ministério Público Federal (MPF).

Por exemplo, a Lei 8.842, de 4 de janeiro de 1994, regulamentada pelo Decreto nº 1.948, de 3 de julho de 1996, dispõe sobre a Política Nacional do Idoso (PNI). Ela fixou as competências de órgãos como a Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República, o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e os Ministérios da Saúde, da Educação e do Desporto.

Já a Lei nº 10.048 de 8/11/2000 trata da prioridade de atendimento às pessoas idosas, gestantes, deficientes e obesos em instituições públicas, financeiras e no transporte coletivo.

O Decreto nº 5.934, de 18/10/2006, estabelece mecanismos e critérios a serem adotados na aplicação do artigo 40 do Estatuto do Idoso, que trata do sistema de transporte coletivo interestadual.

Os idosos têm garantida sua prioridade na tramitação de procedimentos judiciais e administrativos graças à Lei nº 12.008, de 29 de 7 de julho de 2009. Cinco meses depois, a Emenda Constitucional (EC) nº 62 de 9/12/2009 alterou o artigo 100 da Carta Magna e acrescentou o artigo 97 ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, instituindo regime especial de pagamento de precatórios pelos Estados, Distrito Federal e municípios aos maiores de 60 anos ou portadores de doenças graves. No entanto, em março de 2012 a então corregedora nacional de Justiça, Eliana Calmon, revelou que 80 mil pessoas já haviam morrido na fila dos precatórios apenas no Estado de São Paulo. Em março de 2013, o STF julgou inconstitucional parte da EC 62/2009 o que obrigou o CNJ (em junho de 2015) a atualizar a Resolução nº 115/2010, que trata da gestão de precatórios no Poder Judiciário.

A Lei 10.741/2003 preconiza que “é obrigação do Estado, garantir à pessoa idosa a proteção à vida e à saúde, mediante efetivação de políticas sociais públicas que permitam um envelhecimento saudável e em condições de dignidade”. Também impõe ao Estado e à sociedade a obrigação de “assegurar à pessoa idosa a liberdade, o respeito e a dignidade, como pessoa humana e sujeito de direitos civis, políticos, individuais e sociais, garantidos na Constituição e nas leis”.

O artigo 230 da constituição Federal ressalta que “a família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida”.

Esse “dever”, porém, nem sempre se concretiza. Durante as visitas domiciliares às comunidades de alta vulnerabilidade, membros da Pastoral da Pessoa Idosa (PPI) constataram que o descaso do Estado em relação ao idoso é um dos geradores de frustação dos familiares que muitas vezes desencadeia maus-tratos ao mais velhos. Por exemplo, se o idoso não é atendido em um posto de saúde, o cuidador muitas vezes descarrega sobre ele sua frustação com xingamentos e até violência física.

No contexto econômico, o tipo de violação mais comum é a posse indevida de cartão magnético para recebimento da aposentadoria ou pensão.

A exigência pela Previdência da “prova de vida”, com a presença física do idoso na agencia, não impede que no isolamento do lar o tutor ou cuidados adquira o direito de movimentar a conta bancária e decidir sobre as finanças do segurado.

Certas resoluções, que em tese deveriam beneficiar as pessoas idosas, acabem por ter um efeito contrário. Em setembro de 2014, o Ministério da Previdência aumentou de 60 para 72 o número de prestações para o pagamento de empréstimo pessoal e cartão de credito. Após 9 meses, a Serasa Experian informou que 6,99 milhões de pessoas com mais de 61 anos se encontravam inadimplentes. Esse endividamento pode crescer mais com a sanção, pela presidente Dilma Rousseff, em 22 de outubro de 2015, da Lei nº 13.172 que ampliou de 30% para 35% o limite de comprometimento da renda com o crédito consignado.

São tantas as leis que podem, algumas, gerarem conflitos entre si, como aponta o advogado criminalista Euro Bento Maciel Filho ao analisar a lei que sobra a pena de estelionato cometido contra idoso. Para ele, a Lei 13.228/2015 que altera o artigo 171 do Código Penal, sancionada em 28 de dezembro do ano passado, e que aumentou de cinco para dez anos o período de reclusão para esse tipo de crime, “além de desnecessária, também pode gerar conflitos com as disposições do Estatuto do Idoso”.

Em relação ao Estatuto, ele menciona os artigos 102 (“Apropriar-se de ou desviar bens, proventos, pensão ou qualquer outro rendimento do idoso, dando-lhes aplicação diversa da de sua finalidade” – pena de reclusão, de um a quatro anos) e 106 (“Induzir pessoa idosa sem discernimento de seus atos a outorgar procuração para fins de administração de bens ou deles dispor livremente” – pena de reclusão, de dois a quatro anos) que tratam, justamente, da proteção penal do patrimônio da pessoa idosa.

O advogado ressalta, ainda, que “trata-se de norma desnecessária porque o Código Penal já previa, no artigo 61, inc. II, “h”, uma agravante especifica para os casos em que a vítima fosse idosa. Ou seja, na prática, a pena do estelionato contra idoso já seria aumentada (embora o CP não determine quanto), naturalmente”.

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