Brasil é denunciado na OEA por falta de pagamento
A Organização dos Estados Americanos recebeu denúncia contra o Brasil por falta de pagamento de precatórios. A denúncia foi ocasionada pela dívida que a cidade de Santo André acumula. O valor pode passar de R$ 200 milhões, segundo o advogado Pedro Stábile, que prestou informações à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, da OEA. Para os advogados, a falta de pagamentos de precatórios alimentares viola os Direitos Humanos. Veja mais detalhes na reportagem da revista eletrônica Consultor Jurídico.
Conjur – 27/09/2010
Advogados reivindicam na OEA quitação de precatórios
O Brasil está no alvo de uma acusação feita por advogados na Organização dos Estados Americanos por falta de pagamento de precatórios pela cidade de Santo André, em São Paulo. No último dia 30 de agosto, os advogados Fernando Romera Stábile, Caroline Romera Stábile e Pedro Stábile Neto, do Stábile Neto Advogados Associados, prestaram, mais uma vez, informações à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, da Organização dos Estados Americanos sobre uma ação coletiva referente a 3 mil credores. Com a medida, o escritório pretende colocar fim a uma dívida que tem mais de dez anos de existência. As informações referem-se a uma denúncia que foi encaminhada à OEA há quatro anos pelos advogados e pelos credores. A quantia devida, estima Pedro Stábile, pode passar de R$ 200 milhões.
Foram mandados à organização 194 atestados de óbito de credores que não receberam o que era deles de direito. Também integram o pedido mais 55 laudos médicos de servidores portadores de doenças graves, que dependem do pagamento para realizar tratamentos médicos. Segundo Fernando Stábile, a intenção é “verificar e coibir a violação de direitos humanos pela inadimplência dos precatórios”.
O instituto do precatório é uma forma sui generis de execução contra a Fazenda Pública, garantida pelo Judiciário do Brasil. Segundo os advogados, no entanto, no caso em questão, “o momento de efetivação desse direito acaba sendo eternizado até a morte de seus credores, por total ausência de meio práticos a compelir o ente devedor ao pagamento”.
O assunto é tratado no artigo 100 da Constituição Federal. O parágrafo 1º determina que esses débitos devem constar nos orçamentos das entidades de direito público. Em 2009, a Emenda Constitucional 62, que prioriza o pagamento aos idosos e aos portadores de enfermidades, passou a valer. “Nem mesmo a emenda conseguiu resolver o impasse”, conta Pedro Stábile. “O que o município fez”, conta o advogado, “é pagar os precatórios não alimentares porque não tinha sequestro”. Nesse sentido, já vem o Tribunal de Justiça de São Paulo uniformizando decisões para impedir que a emenda extinga as ações de sequestro que tramitavam na Justiça antes mesmo da sua vigência.
Deve, mas não paga
O denunciado na OEA é o Brasil, mas quem deve é Santo André. A administração do município até tentou se valer do artigo 4º da Lei Municipal 6.504/89 para argumentar que a questão ainda está sub judice. Entretanto, uma Ação Declaratória de Inexistência de Artigo e Lei Municipal foi interposta pelo próprio município contra a Câmara Municipal, derrubando a tese inicial.
A Prefeitura alega não possuir verbas suficientes para sanar as dívidas. Além disso, caso elas fossem quitadas, sua situação ficaria em maus lençóis. Isso porque os serviços públicos essenciais ficariam comprometidos. Assim, o processamento das ações dos precatórios acaba paralisado no chamado processo de execução. Ou seja, a decisão é proferida, mas não cumprida. Nas palavras dos advogados, isso “gera a violação de direitos e garantias protegidas pelo sistema interamericano de Direitos Humanos”.
De outro lado, os credores vêm tentando, pela via administrativa, dar cabo à história. Uma Reclamação aguarda julgamento no Supremo Tribunal Federal, no segundo pedido de Sequestro de Rendas do Município de Santo André, de outubro de 2007. Os peticionários pediram urgência na apreciação do pedido. “Os idosos estão em idade avançada, com graves doenças e gradativamente falecendo ao longo do processo”, escreveram os advogados nas informações enviadas à OEA. Um primeiro pedido, indeferido, foi feito em fevereiro de 2007.
A situação, informam os advogados, tende a se agravar com o passar do tempo, uma vez que 60% dos peticionários são idosos, que “dependem desses recursos para própria sobrevivência e a morte os vem colhendo paulatinamente sem a satisfação do último desejo de consumar esse direito”.
Em 4 de setembro de 2002, o Tribunal de Justiça paulista decretou que o governo do Estado interferisse no assunto. No entanto, a situação não mudou. Para os advogados, houve “omissão e inércia do Governo do Estado de São Paulo na nomeação do competente interventor para dar cumprimento à sentença judicial”.
No último dia 17, o Diário Oficial do Estado publicou uma lista de mais de 1,3 mil páginas contendo os precatórios pendentes da Fazenda, das autarquias e das fundações públicas estaduais. A notícia poderia ser boa para os credores de Santo André, mas seus nomes não constam no rol. Isso porque a Prefeitura ainda está concluindo os trabalhos de prestação de contas. “O TJ depende disso para publicar a lista com os nomes do credores”, explica Pedro Stábile.
Questão de Direito Internacional
O assunto chegou à OEA em 2006. Desde então, diversos comunicados foram encaminhados ao órgão, todos pedindo o imediato exame do caso. Até agora, porém, as ações coletivas dos três mil servidores não passaram da fase de admissibilidade. Caso a denúncia seja acatada pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos, o Brasil pode responder por crime de violação aos Direitos Humanos.
Por se tratar de uma matéria de Direito Público, a recusa do pagamento dos débitos tende a violar diversos tratados internacionais. Para Fernando Stábile, a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem sofreu violação, sobretudo, no artigo XIV, que trata do direito de receber remuneração, no artigo XI, que aborda o direito social relativo à alimentação, vestuário e habitação, e no artigo XVIII, que confere o direito ao processo simples e breve. Além dela, também foi ferida, acredita o advogado, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, no que diz respeito às cláusulas que tratam da proteção da dignidade, das garantias e da proteção judicial.
São essas violações que justificam a remessa do caso a um órgão de direito internacional. Como lembram os advogados, “a falta de garantias de créditos, chamados alimentares, portanto essenciais à vida, ferem, também, direitos fundamentais da pessoa humana, com reflexos que ultrapassam o direito nacional”.
{visitas}