Calote Oficial é tema de discussão entre estudantes de direito.

O drama vivido por servidores públicos, credores do Estado, não constitui um problema isolado de classe. O Poder Publico seja na esfera Federal, Estadual ou Municipal descumpre indiscriminadamente decisões judiciais. Essa falta de compromisso com a Justiça despertou a indignação de alguns estudantes de direito, como Daniel Costa Caselta, que assim escreveu, no jornal “O Pátio”, do Centro Acadêmico XI de Agosto, da Faculdade de Direito da USP. “Saiba que não é você, cidadão comum, que tem o privilégio de poder descumprir as decisões judiciais. Quem tem esse privilégio é o governo, ou melhor, os governos”.

Calote Oficial Governantes não cumprem as decisões judiciais. Daniel Costa Caselta, aluno do 2º ano da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo “Imagine a seguinte situação: em um determinado país, certa pessoa resolve entrar na Justiça para receber uma quantia em dinheiro a que acredita ter direito. Ao final do processo, o juiz diz que essa pessoa realmente tem o direito de receber aquela quantia, mas diz também que o devedor poderá pagá-la quando quiser e se quiser. O leitor logo concluirá que, nesse país, não vale muito a pena recorrer ao Poder Judiciário, uma vez que são os devedores que decidem se irão cumprir ou não as decisões judiciais. Para surpresa de alguns e indignação de muitos, no Brasil estamos vivendo uma situação semelhante à que foi descrita acima. Mas tenha calma, leitor.

“Antes de achar que pode sair por aí se endividando, saiba que não é você, cidadão comum, que tem o privilégio de poder descumprir as decisões judiciais. Quem tem esse privilégio é o governo, ou melhor, os governos, não só na esfera federal, mas também nas esferas estadual e municipal. As afirmações acima podem até parecer um exagero sensacionalista, mas não são. No Brasil, as dívidas da União, Estados e Municípios, resultantes de decisões judiciais, devem ser pagas mediante um procedimento especial, previsto na Constituição. Esse procedimento é o da expedição de ofícios requisitórios, mais conhecidos por precatórios.

“Assim, deve ser expedido um precatório toda vez que o Poder Público, vencido em uma disputa judicial, é condenado a pagar uma dívida. No precatório fica registrado o valor a ser pago e a quem deve ser pago. Os precatórios expedidos vão sendo numerados, sendo que os pagamentos devem ser feitos em obediência a essa ordem de numeração, que não pode ser quebrada. Esse procedimento existe para que o Poder Público possa ter controle sobre seus gastos. Assim, a entidade devedora (União, Estados ou Municípios), deve incluir o valor constante dos precatórios em seu orçamento anual (previsão de receitas e despesas).

“A Constituição brasileira (artigo 100 e parágrafos), dispõe que os precatórios expedidos até 1º de julho devem ser pagos, obrigatoriamente, até o final do ano seguinte. Assim, os precatórios que foram expedidos no primeiro semestre de 2003, devem ser pagos, no máximo, até o final do ano que vem. “No entanto, a palavra “obrigatório”, que consta da redação do referido artigo da Constituição, deve ser lida com várias ressalvas. Isso porque as sanções previstas na Constituição para o caso de não pagamento de precatórios não são aplicadas pelo Poder Judiciário. Na prática, o governante só os paga se quiser. E os governantes, de modo geral, têm usado e abusado da faculdade de descumprir as decisões judiciais. Em São Paulo, por exemplo, o governo do Estado, além de não ter concluído os pagamentos dos precatórios alimentares de 1997, ainda não pagou um centavo sequer dos precatórios alimentares de 1998 para cá (precatórios alimentares são aqueles que, provenientes de vencimentos, pensões, indenizações por acidente de trabalho, etc., são considerados imprescindíveis para a subsistência do credor e de sua família).

“Dessa forma, a permanecer esse atraso, um cidadão que possua um crédito perante o Estado deve saber que, se quiser fazer valer seu direito na Justiça, além de esperar por cerca de 10 anos até o final do processo judicial, ainda terá que aguardar por anos e anos até que o governante tenha a boa vontade de pagar seu precatório, a despeito de a Constituição prever um prazo determinado para que eles sejam pagos.

“Vemos então que o comportamento do Poder Público – justamente aquele que deveria dar o exemplo aos cidadãos – tem sido o de um verdadeiro caloteiro, que descumpre sistematicamente as leis e as decisões judiciais. Primeiro, não paga o que deve, obrigando o credor a recorrer a uma Justiça lenta e ineficiente (não esqueçamos que os governos são em grande parte responsáveis por essa lentidão do Poder Judiciário: cerca de 80% dos processos tramitando nos tribunais superiores tratam de seus interesses). Como se não bastasse, após vários anos de processo judicial, o Poder Público não paga os precatórios. Em um país em que alguns devedores têm tamanha liberdade para descumprir a Constituição e as decisões judiciais, será que vale a pena recorrer ao Poder Judiciário?”

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