Editorial do jornal “O Estado de S. Paulo” aborda o tema

O jornal “O Estado de S. Paulo” publicou no domingo, dia 26 de agosto, um editorial intitulado “A justiça e os precatórios”. No texto, o jornal comenta a nova posição do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) no julgamento dos processos relativos a precatórios alimentares. As recentes decisões autorizam a antecipação do pagamento a idosos e pessoas com graves problemas de saúde. O editorial destaca também o comentário do presidente do TJ-SP, desembargador Celso Limongi sobre o pagamento de precatórios: “O poder público trata o credor de modo humilhante”. Leia aqui a íntegra do editorial publicado no último domingo no jornal “O Estado de S. Paulo”.

Jornal O Estado de S. Paulo

Domingo, 26 agosto de 2007

A justiça e os precatórios

Sob a alegação de que o Estado é eficiente na hora de cobrar impostos e taxas, mas ineficiente e omisso na hora de pagar o que deve, o Tribunal de Justiça (TJ) de São Paulo adotou uma nova posição no julgamento dos processos relativos a precatórios, autorizando a antecipação do pagamento a idosos e pessoas com graves problemas de saúde. Com a nova orientação, eles recebem imediatamente o dinheiro que o governo estadual lhes deve, sem precisar aguardar a vez numa extensa e demorada fila de credores.

Os precatórios são dívidas que o poder público tem de pagar por ordem judicial. Mas as diferentes instâncias governamentais alegam que não dispõem de recursos suficientes para cumprir o que os tribunais determinam. Por isso, os precatórios costumam ser pagos por ordem cronológica, com atrasos superiores a dez anos. Atualmente, o Tesouro estadual está depositando os valores de quem recebeu decisões favoráveis dos tribunais em 1998. Para se ter idéia das conseqüências dessa morosidade, 60 mil pessoas já morreram em São Paulo sem receber seus respectivos créditos. “O poder público trata o credor de modo humilhante”, diz o presidente do TJ, desembargador Celso Limongi. Só com relação aos precatórios alimentares, que resultam de litígios sobre índices aplicados no reajuste de salários e aposentadorias do funcionalismo público, a dívida do governo paulista totaliza R$ 10 bilhões.

Os demais precatórios decorrem de ações impetradas por cidadãos e empresas prejudicados por pacotes econômicos e por discussões sobre indenização de propriedades desapropriadas para a construção de obras públicas e para a preservação de matas e florestas. Além de subavaliar o valor das indenizações, muitos governantes já fazem a desapropriação sabendo de antemão que nem eles nem seus sucessores pagarão a dívida. Em 2006, o volume de débitos estaduais e judiciais não pagos em todo o País era de R$ 62 bilhões. O maior devedor é o Estado de São Paulo, seguido pela Prefeitura da capital. A fila de credores é superior a 485 mil pessoas, das quais 85% têm direito a receber valores inferiores a R$ 20 mil.

Além de desmoralizar a ordem jurídica, o atraso no pagamento dos precatórios cria tensões institucionais e políticas. Irritados com o descumprimento de suas sentenças, muitos tribunais deferem pedidos de seqüestro de receitas de Estados e municípios para o pagamento de débitos judiciais vencidos, o que não resolve o problema e pode levar à suspensão de serviços públicos essenciais. E, como a Constituição permite a intervenção da União nos Estados e municípios que não pagam precatórios, muitos advogados protocolam ações com esse objetivo.

A rigor, não há na legislação qualquer dispositivo que autorize os tribunais a antecipar o pagamento dos precatórios de idosos e portadores de doenças graves que necessitam de tratamentos urgentes e caros. A saída encontrada pelo TJ para os casos mais dramáticos foi invocar um princípio geral de direito consagrado pelo artigo 1º da Constituição, que diz ser a “dignidade da pessoa humana” um dos fundamentos do Estado de Direito. “Não estamos criando um crédito. Ele já existe”, afirma o desembargador Celso Limongi.

Por causa das injustiças causadas aos credores, principalmente aos mais pobres, o problema do atraso sistemático do pagamento dos precatórios exige, mais do que medidas paliativas, a solução definitiva. Há alguns anos, o então presidente do Supremo Tribunal Federal, Nelson Jobim, apresentou um projeto que autorizava o poder público a promover leilões entre os credores para pagar as dívidas com deságio. Pela proposta, quem tivesse uma dívida vencida e não quisesse esperar sua vez na fila teria prioridade no pagamento quanto mais desconto se dispusesse a aceitar.

A idéia agradou tanto aos prefeitos e governadores que eles logo se apressaram a apoiar sua aprovação no Congresso. Mas, examinada com cuidado, ela não passa de uma imoral proposta de oficialização de calote aos milhares de credores do setor público. Infelizmente, o problema dos precatórios ainda está longe de uma solução definitiva e justa.

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