Ordem dos Advogados do Brasil mostra que há esperança para os credores

Lideranças do Judiciário afirmaram que não haverá mais tolerância às moratórias em relação ao pagamento dos precatórios. “Estados e prefeituras terão de acertar suas contabilidades, pagar suas contas e acabar com o calote como ferramenta de gestão financeira”, relatam Ophir Cavalcante, presidente nacional da OAB e Flávio Brando, presidente da Comissão de Precatórios da entidade, em artigo publicado no jornal Valor Econômico. A proclamação do Judiciário aconteceu no Encontro Nacional do Judiciário sobre Precatórios, em setembro deste ano. Na ocasião, foi demonstrado que não existe governança para a questão dos precatórios. Veja mais detalhes.

Valor Econômico – 26/10/2010

Luz no fim do túnel para os precatórios

Ophir Cavalcante e Flávio Brando

Fez-se luz, finalmente, para resolver-se de uma vez por todas o problema crônico do calote judicial público, a negação continuada da cidadania pelo Estado na forma dos precatórios não pagos. Essa luz acendeu-se por ocasião do “Encontro Nacional do Judiciário sobre Precatórios”, realizado em setembro passado, onde representantes de todos os tribunais do país discutiram os efeitos da Emenda Constitucional nº 62, de 2009, resultado final da conhecida “PEC do Calote”.

O encontro, sob a batuta do ministro Ives Gandra Martins Filho, serviu também para tornar visíveis os números bilionários da irresponsabilidade fiscal de governadores e prefeitos, confortáveis há décadas com a renovação de moratórias sucessivas, cada um deixando o problema para o sucessor, e este para o seguinte, “sine fine” (do latim, sem fim). O número oficial declarado do calote é de R$ 87 bilhões, mas estima-se algo bem acima de R$ 100 bilhões!

O fato é que não existem números disponíveis para as dívidas em gestação atualmente, nem mesmo contabilização, provisões ou reservas para pagamento seja do passado, presente ou futuro. Em suma: nenhuma governança. O pagamento dos precatórios sempre foi uma questão difícil, uma vez que o Estado não é um devedor comum. No entanto, como se vê, o quadro nunca apresentou tamanha dramaticidade quanto o registrado hoje.

O número oficial do calote é de R$ 87 bilhões, mas estima-se mais de R$ 100 bilhões

Esta dura realidade tocou profundamente as lideranças do Judiciário, que ao fim do encontro proclamaram solenemente que o fim da tolerância às moratórias está próximo. Vale dizer, mesmo sob a vigência da Emenda, elas não serão mais permitidas. Basta. Estados e prefeituras terão de acertar suas contabilidades, pagar suas contas e acabar com o calote como ferramenta de gestão financeira.

Vale lembrar que a OAB e outras instituições da sociedade civil ingressaram com várias ações diretas de inconstitucionalidade (Adins) no Supremo Tribunal Federal (STF) questionando a Emenda nº 62. Inserindo-as em pauta, o Judiciário assumirá, sem dúvida, uma posição pró-ativa no processo de diagnóstico e solução do problema. Há sinais claros de inquietação, aqui e ali. Em São Paulo, por exemplo, o Tribunal de Justiça notificou as prefeituras da capital, Guarujá e Santo André, dentre outras, que os depósitos mínimos permitidos pela EC nº 62 são insuficientes para a redução gradual e segura do estoque de dívida. Ou seja: tais depósitos deverão ser aumentados, imediatamente.

Vitoriosas essas ADIs, o que acontecerá? Nada dramático. Especialistas em finanças públicas desenvolveram algumas opções práticas, realistas e objetivas, sendo digna de nota, por exemplo, a reestruturação de todas as dívidas judiciais públicas (estaduais e municipais), necessariamente com o aval da União ou emissão de papéis federais em substituição. É possível também consolidar a compensação tributária de dívida ativa com precatórios, como já o fez o Estado do Rio de Janeiro.

Outra opção é aceitar o precatório como “moeda” para financiamentos da casa própria (programa Minha Casa, Minha Vida); materiais de construção (como já adotado em Mato Grosso); cotas de fundos de infraestrutura, inclusive para Copa do Mundo, Olimpíadas, aterros sanitários, concessões de rodovias, portos e aeroportos; fundos imobiliários e aquisição de imóveis públicos; contribuição para aposentadoria de servidores públicos; e créditos subsidiados do BNDES e outras instituições oficiais.

O problema do financiamento da dívida é, na realidade, dos devedores, e não dos credores. Cada um que saia a campo para escolher seus caminhos, dentro de seu perfil de receitas e dívida. O certo é que os mecanismos de utilização dos precatórios (sempre voluntariamente para os credores) diminuirão gradativamente o estoque de dívidas, trazendo consigo segurança jurídica para investimentos, além do efeito colateral de enviar para o arquivo morto milhões de processos.

Enfim, o resgate do prestígio do Judiciário e a exigência de comportamento ético para governantes, com sanções conhecidas e praticadas, podem ser cruciais para uma mudança no Brasil com relação às dividas públicas. A Justiça faz parte da cesta básica da cidadania, como saúde, transporte, educação, segurança e outros bens constitucionais, e a melhor maneira de acabar com os precatórios no futuro será exigir o cumprimento das leis, contratos e ordens judiciais.

Estamos a um passo dessa transformação histórica.


Ophir Cavalcante e Flávio Brando são, respectivamente, presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e presidente da comissão especial de defesa dos credores públicos da entidade

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