Precatórios ficam de fora da LRF, que completou dez anos
No dia 4 de maio, a Lei de Responsabilidade Fiscal completou dez anos. A LRF estabeleceu, em 4 de maio de 2000, “as bases sobre as quais se assentam os princípios da boa gestão fiscal de forma abrangente para toda a área pública”, conforme matéria do jornal O Estado de S. Paulo. No mesmo texto, no entanto, mostra que um tema importante ficou de fora da LRF: o rigor no pagamento dos precatórios. “Na prática, o calote oficial nos precatórios, reduzindo sobremaneira esse débito ao obrigar parte dos credores a disputar seus direitos na bacia das almas dos leilões de deságio”. Leia mais.
O Estado de S. Paulo – 04/05/2010
Parabéns LRF
Amir Khair
Hoje completa dez anos a Lei Complementar n.º 101, de 4 de maio de 2000, conhecida como a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). É com orgulho e satisfação que devemos comemorar essa lei, que foi um marco na história fiscal do País. Ela estabeleceu as bases sobre as quais se assentam os princípios da boa gestão fiscal de forma abrangente para toda a área pública, envolvendo União, Estados e municípios, incluindo os poderes Executivo, Legislativo, Judiciário e o Ministério Público. Vale destacar as bases sobre as quais se assenta a LRF, destacadas em seu artigo 1.°: planejamento, transparência, prevenção de riscos e correção de desvios capazes de afetar o equilíbrio das contas públicas, cumprimento de metas de resultados entre receitas e despesas, obediência a limites e condições para a renúncia de receita, geração de despesas, dívidas, operações de crédito, concessão de garantia e inscrição em restos a pagar.
Foi uma lei que “pegou”, ou seja, tornou-se efetiva em razão da sua irmã, a Lei n.º 10.028, de 19 de outubro de 2000, mais conhecida como a Lei dos Crimes Fiscais, que estabeleceu as punições penais para as infrações a dispositivos da LRF, e, especialmente, por causa do apoio decisivo da mídia não só para a sua implantação, mas, principalmente, para frustrar as diversas tentativas feitas para alterá-la no sentido de remover suas exigências. Não é uma lei perfeita e, certamente, será aprimorada após esses 10 anos, mas deve-se ficar vigilante para que ocorram aperfeiçoamentos e não abrandamentos de suas exigências.
Algumas questões importantes ficaram ausentes da LRF, como, por exemplo, o rigor no pagamento de precatórios – uma das maiores vergonhas fiscais do País. São dívidas que o setor público tem por decisões do Poder Judiciário, que eram sistematicamente desrespeitadas. Trata-se de valores estimados para Estados e municípios em R$ 100 bilhões, que foram presenteados pelo Congresso Nacional pela Emenda Constitucional n.º 62, de 9 de dezembro de 2009, que instituiu, na prática, o calote oficial nos precatórios, reduzindo sobremaneira esse débito ao obrigar parte dos credores a disputar seus direitos na bacia das almas dos leilões de deságio e alongando ainda mais os pagamentos ao estabelecer porcentuais irrisórios sobre a receita dos entes federados.
Outra questão ausente que pode transformar em peças de ficção os orçamentos públicos de Estados e municípios é a falta do estabelecimento de limite para a margem de suplementação na execução orçamentária. A Lei Orçamentária Anual, peça central do planejamento fiscal, contém um artigo que estabelece a margem de suplementação, que é um porcentual da receita total que o Executivo pode utilizar para fazer alterações no orçamento, sem depender de aprovação do Legislativo. Na maioria dos casos, esse porcentual é elevado, o que permite ao Executivo alterar radicalmente o orçamento aprovado. É um cheque em branco, praticamente sem limite.
Restam ainda por implantar alguns dispositivos da LRF por parte do Congresso Nacional, como, por exemplo, a criação do Conselho de Gestão Fiscal, que deverá fazer o acompanhamento e a avaliação, de forma permanente, da política e da operacionalidade da gestão fiscal – o que uniformizará as interpretações dos tribunais de contas -, e, pelo Senado Federal, efetuar a aprovação da proposta enviada em agosto de 2000 pelo presidente da República para os limites globais para o montante da dívida consolidada da União.
Apesar desses problemas, a LRF trouxe, sem dúvida, notável contribuição ao equilíbrio fiscal do País. Foram reduzidas as relações da despesa de pessoal e das dívidas de curto e longo prazos em relação à receita, para todos os níveis de governo, e são raros os casos de transgressão a esses limites. As heranças fiscais foram substancialmente reduzidas, o que permite que o governo que se inicia não passe os primeiros anos pagando débitos do antecessor. Parabéns a todos os que contribuíram para essa grande conquista e que a mídia continue desenvolvendo o importante papel que desempenhou para esse sucesso.
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