Presidente da Comissão de Precatórios da OAB critica a PEC do governador e do prefeito de SP

Marco Antonio Innocenti, presidente da Comissão de Precatórios da OAB Nacional, escreveu artigo, publicado pelo jornal O Estado de S. Paulo no dia 26 de junho de 2015, em que critica a Proposta de Emenda à Constituição enviada ao Congresso Nacional pelo governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, e o prefeito da capital paulista, Fernando Haddad. Na prática, eles querem a anulação da decisão do Supremo Tribunal Federal que estabelece o pagamento dos precatórios até 2020. Innocenti explica que a proposta é reduzir o montante destinado ao pagamento das dívidas. “Se os valores pagos hoje são insuficientes para cumprir a decisão, como seria possível diminuí-los e, ainda assim, quitar a dívida até 2020?”, questiona o presidente da Comissão de Precatórios da OAB. Leia a íntegra do artigo.

O Estado de S. Paulo – 26 de junho de 2015

O conto do vigário dos precatórios

*Marco Antonio Innocenti – O Estado de S. Paulo

O governador e o prefeito de São Paulo, Geraldo Alckmin e Fernando Haddad, lançaram um engodo no Congresso Nacional travestido de carta de boas intenções. Para anular decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que manda Estados e municípios pagarem seus precatórios até 2020, redigiram uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que, ao contrário do discurso, inviabiliza a ordem judicial, jogando mais uma vez para as calendas gregas os pagamentos.

É fácil de entender. O STF determinou o pagamento da dívida em 5 anos, a partir de janeiro de 2016, em parcelas mensais que correspondam a 1/60 do valor total, de forma a quitá-la totalmente até o fim de 2020.

Para isso, o desembolso mensal deve ser elevado. Mas, em vez de aumentar, o projeto reduz o montante. Possibilita o pagamento pela média dos valores pagos entre 2010 a 2014, período em que os desembolsos foram bem menores. Na prática, o fluxo de recursos cairá entre 30% e 40% em relação ao que é destinado atualmente.

Se os valores pagos hoje são insuficientes para cumprir a decisão, como seria possível diminuí-los e, ainda assim, quitar a dívida até 2020? Tome-se como exemplo o caso do Município e do Estado de São Paulo. Juntos, devem 40% do estoque nacional, estimado em R$ 97 bilhões pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

A Prefeitura paga cerca de R$ 110 milhões ao mês. Para obedecer ao STF, deveria triplicar essa quantia. Mas a PEC sugerida permite que se pague ainda menos do que é pago hoje.

O projeto incorpora algumas medidas que podem até auxiliar no financiamento da diferença dos recursos necessários para cumprir o prazo fixado pelo STF, entre elas a autorização para realização de operações de crédito. Mas não há na proposta enviada à Câmara nenhuma garantia de que tais operações serão de fato levadas a efeito na amortização dos pagamentos.

Pelo projeto, a única obrigação que Estados e municípios teriam, a partir do ano que vem, seria desembolsar, mensalmente até o fim de 2020, a média do que pagaram nos últimos 5 anos. Nenhum centavo a mais. Não se prevê nenhuma sanção se a diferença não for paga. E, se não prevê, é porque não se pretende pagar.

A única razão que tem levado as entidades públicas a pagar precatórios é o conjunto de sanções previsto no § 10 do art. 97-ADCT, especialmente o sequestro de rendas, o que levou o STF a mantê-lo como garantia de que os débitos vencidos serão, de fato, liquidados até 2020 mediante amortizações mensais correspondentes ao valor total da dívida. Ao retirar as sanções fixadas, deixando ao critério das próprias entidades devedoras a utilização dos mecanismos de financiamento previstos, é bastante óbvio que o projeto pretende apenas reeditar um novo calote contra os credores, aplicando um bypass na decisão proferida pelo Supremo.

As condições impostas pelo STF para a liquidação dos débitos, resultantes do julgamento da modulação da decisão proferida na ADI 4357, são perfeitamente factíveis, ainda mais considerando a implementação de medidas que não só reduzirão a dívida, como propiciarão condições de financiamento. Contudo, é essencial que a referida proposta legislativa mantenha as sanções que, tal como fixadas, garantam, já a partir de janeiro de 2016, a satisfação integral do pagamento, sob pena de sequestro da diferença mensal correspondente ao valor necessário à liquidação dos precatórios vencidos até o final do exercício de 2020.

Da forma como foi apresentado, apenas para fugir dos critérios estabelecidos pelo STF, sem nenhuma obrigatoriedade na satisfação dos pagamentos integrais, o projeto do governador e do prefeito é um engodo. Merece o mais veemente repúdio da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), pois propiciará, na prática, a partir de 2016 (ano eleitoral), uma substancial redução dos pagamentos mensais de precatórios, resultando, em pouco tempo, no aumento da dívida, criando uma situação ainda mais grave que a atual, em total desarmonia com o julgamento do STF.

* É presidente da Comissão de precatórios da OAB Nacional

Compartilhe
menu
menu